Inércia e o Outro Como Objeto
Talvez você já tenha se deparado com um momento em que se sentiu sem perspectivas, impossibilitado de realizar algo, de seguir adiante em virtude de algum acontecimento.
Provavelmente tenha interpretado uma situação como algo que interditasse o seu potencial de transpor aquilo visualizado como real obstáculo.
Passamos por diversas situações na vida em que interpretamos como algo terminativo, sendo o fim de algo.
Curiosamente a tendência, diante da sensação de impotência de agir ou reagir, é buscar alguém que efetivamente o faça, que cumpra esse papel.
Outra tendência é buscar culpados, alguém que se encaixe no personagem de vilão que agiu contra o mocinho. A velha conhecida dinâmica maniqueísta (dualista) tão utilizada pela humanidade como mecanismo de defesa.
Esse alguém, elevado subitamente e de maneira inconsciente, ao patamar de super-herói ou super-heroína, de acordo com uma idealização, deverá, obrigatoriamente, assumir esse papel e cumpri-lo o mais depressa possível. Se for imediatamente, melhor.
Espera-se por alguém ou algo externo que seja a representação de um divisor de águas, que promova uma solução miraculosa e instantânea para um problema específico.
Diante desse cenário, vamos refletir um pouco:
- Quantas pessoas são usadas como objetos destinados a determinados fins?
- Por outro lado, quantas pessoas se apresentam como salvadores, sendo que na realidade, pretendem usar a pessoa que não pretende ou acredita que não consegue agir para obter um determinado fim?
- Quantas pessoas agem de forma a ajudar ao extremo outras pessoas, no intuito de se sentirem úteis e se deixam à deriva?
Podemos ir um pouco mais adiante:
Imagine se a pessoa idealizada não cumpre com o esperado, talvez por não ter conseguido, ter negado ou ainda não ter adivinhado (sim, há quem não informe claramente e espera uma adivinhação...). Ela, muito provavelmente, será mal vista pelo idealizador.
O indivíduo idealizado que não cumpre a arbitrariedade do outro poderá será visto como mau sujeito. O nível de idealização se torna proporcional ao nível de rejeição nesses casos. Nessa dinâmica se inclui a figura do opositor, do eleito como vilão, conforme mencionado em alguns parágrafos anteriores.
Se, por acaso, o indivíduo idealizado fizer algo de acordo com que o idealizador pretendeu, possivelmente será estabelecida uma relação de praticamente simbiose e, inclusive, de uma provável ambivalência, na qual o idealizador pode passar a requerer ainda mais e começar a abusar da boa vontade, intencionalmente ou não. Encontrou, portanto, uma fonte dos desejos para ter o que quiser praticamente como um passe de mágica, sem (ou quase sem) se mover. Isso tudo em virtude de pensar não ser capaz de agir por si.
A dor do aprisionamento mental se torna equivalente à dor de ver o outro ser um realizador; o que potencializa o sofrimento da pessoa que pretende se manter inerte ou que acredita que não pode conquistar algo.
Não raras vezes ocorrem ataques proporcionados pela pessoa que se sente impossibilitada destinados a quem lhe ajuda. Uma incongruência, não? Não. Mas não antes de uma dose de descarga de alívio e talvez algum reconhecimento pelo êxito.
Se uma pessoa for idealizada e elevada a algum certo patamar, ela também poderá ser rebaixada, rejeitada e hostilizada sendo útil ou não; ao ajudar ou não. Simples assim.
Essa é uma postura intrinsecamente narcísica por parte de algumas pessoas pretendem ajuda: promovem uma desqualificação de quem os ajudou. Essa é uma atitude bastante perigosa.
Como uma releitura da fase infantil a nível de bebê, enquanto ele se encontrava incapacitado digerir suas funções mais básicas necessárias a sobrevivência alimentação, limpeza pessoal, suprimentos mais basilares. Esse bebê demandava, e muito, que houvesse uma sustentação por parte de um outro indivíduo, normalmente a mãe ou quem ao menos cumprir com o que for minimamente viável para a sobrevida do bebê.
Muito se demanda nessa fase. A exaustão de quem o cuida é inequívoca pois isso requer muita entrega, uma dedicação dirigida àquela vida que, efetivamente, não pode se manter sozinha.
E o bebê permanece nesse estado durante um certo período. Enquanto não cresce e passa a se desenvolver mais, como ao passar ao início da fase dos primeiros passinhos ou o final do aleitamento, ele tende permanecer nessa fase delicada e relevante após o nascimento.
Ocorre que, se não for instigada alguma medida de autonomia ou for promovida uma conscientização capaz de deixar estabelecido que a vida em si não costuma e nem precisa trazer tudo na hora que se requer do jeito que pretendemos, essa pessoa estará imersa na infantilidade: a de que alguém deverá servi-lo na hora que for decidido, em virtude do que acredita serem suas necessidades.
A tudo é dado seu momento, a vida nos mostra isso... E precisamos observá-la, compreender as propostas trazidas por ela e seguir adiante... A opção de estagnação é autodestrutiva. Pretender não crescer é, na realidade, decrescer, pois não permanecemos estáticos: ou melhoramos ou pioramos...
A todo momento somos instados a evoluir. Esperarmos que um outro alguém assuma as rédeas de nossa própria vida, além de contraproducente, pode ser muito perigoso pois as consequências são enfrentadas sem possibilidades de terceirização, embora muito se possa fazer para gerar culpados.
Einstein uma vez confessou algo que se enquadra perfeitamente ao tema deste texto:
"Sou agradecido a todos aqueles que disseram não para mim. Por causa deles, eu mesmo fiz." - Albert Einstein
Por Lúcia Rebelo, Psicanalista Clínica
